Acordar e ver New Jersey
Passou exactamente uma semana.
Ainda nem tinha embarcado e já experimentei aquela simpatia americana da qual não consigo senão desconfiar. É perfeitamente normal e aceitável um desconhecido qualquer que se senta ao teu lado ter curiosidade e perguntar-te todo o tipo de questões mais ou menos pessoais como se é a primeira vez que visitas a cidade, que vais para lá fazer, se vais sozinha. Nem é estranho o mesmo desconhecido, neste caso um negro vestido de fato de treino, sapatilhas nike, chapéu e óculos de sol (e já vão entender porque a descrição é importante para poderem imaginar esta situação da maneira mais apropriada), reagir às tuas respostas com uma exclamação efusiva "you go girl!" e estender a mão para uma palmada de celebração, vulgo high five. Mas o estranho é que o desconhecido fazia parte de uma banda de jazz, e parecia não ser nenhum desconhecido porque alguém gritou pelo seu nome de longe, reclamou ser fã, e ainda aproveitou para impôr a sua presença e conversar com todos os membros da banda. Ainda ouvi uma piada sobre o que significa TAP (algo como trapped at airplane ou assim), um elogio aos meus óculos e algumas perguntas confusas da fã que achava que eu estava com a banda.
Uma coisa que sempre me espantou de todas as vezes que aterrei em solo americano é a maneira como dão ênfase à sinalética com pessoas a gritar ordens, sempre a mesma ordem com intervalos curtos, como uma gravação "american citizens this way" "american citizens this way" "american citizens this way". E se tentares fazer alguma pergunta repetem-te a mesma ordem a gritar. Mas gravações não vestem tão bem o uniforme do aeroporto.
Apanhei um shuttle para a residência e por via das probabilidades acabei por o partilhar com uns portugueses, entre as quais duas adolescentes lisboetas que não deixaram de comentar a sorte que eu tinha de vir morar para o "paraíso". Dada a quantidade de carros, pessoas, ruído, luzes, o paraíso parecia bem concorrido. Era o final da tarde e os neons sempre me fascinaram, portanto estive a viagem toda meia hipnotizada com aquela violência luminosa.
Entro no meu quarto e algo me chama a atenção. Tenho uma inquilina. Despacha-se a sair, pede desculpa, estava ali como convidada. Mas uma convidada com o seu tapete, candeeiro, mantinha. Bem instalada. De qualquer maneira poderíamos ter ficado ali as duas. Ou até três. O quarto era enorme. E claro, a vista. Apesar de todos os americanos comentarem contigo que este não é o melhor dos bairros, o campus médico fica aqui no meio de um bairro latino. E por latino, não falamos bem do nosso caso, latino europeu, mas latino da américa do sul. Em todo o caso, parece-me nice enough.

Estava habituada a correr em Braga ao pé do rio e estava terrivelmente preocupada com o ter que começar a correr no meio da cidade aqui, ou ter que apanhar metro até ao Central Park. Mas, agradavelmente, tenho mesmo aqui ao pé de casa duas opções: posso atravessar a ponte que vejo da minha janela a correr e ir até New Jersey ou posso ir para o Hudson River Greenway, que percorre toda a margem do rio.
Apesar do aspecto natural, não deixas de ver todos os prédios por cima das árvores, de ouvir o barulho do trânsito e, além disso, há tanta gente a correr ou a andar de bicicleta que quase há fila. Mas não deixa de ser melhor do que esperava.
O meu primeiro dia no laboratório foi uma surpresa. Começou a chover do tecto. Estamos no 12º piso e algures no 14º havia um leak e começou a cair tanta água pelo tecto que parecia que chovia. E que não vos espante, não há 13º piso. Sendo este um edifício médico, não existe um 13º piso porque ninguém quereria ficar lá, por causa da superstição. Todos se apressaram a dizer-me que isto não acontecia todos os dias, não vá eu pensar que vim parar a um laboratório terceiro mundista.
Uma coisa igualmente engraçada e nojenta é que, estando nós no meio do campus médico, vê-se na rua imensa gente de scrubs, bata, ou até a minha combinação favorita, scrubs e bata e estetoscópio. Suponho que se vais só atravessar a rua para ir do hospital para as aulas não seja problemático, mas ir ao starbucks já me parece um bocado nojento. Pior ainda é ir no metro de scrubs, e isto não é raro.
Todos os labs têm a sua happy hour na sexta, sendo que o meu decide chamar-lhe beer time, para serem diferentes. E descrevem-na como: depois dos chefes saírem, juntamo-nos e compramos cervejas e ficamos a beber e a comer e a destruir o laboratório. Bem, um dos meus colegas tinha estado na Ucrânia e trouxe vodka de mel e pimenta. Aconselho todos a provarem.
Na sexta fui sair. Fui a um hotel, cujo lobby se transformou em discoteca. Nada era removido por precaução. Tapetes, candeeiros de pé, vasos, sofás. as pessoas dançavam em cima dos sofás. A música começou terrível (a inclinar para o rap), mas foi melhorando para clássicos americanos. A notar a abordagem americana. É terrível. A primeira vez que me abordaram, começaram logo por estender a mão, dizer "Hi" e apresentar-se. Fiquei terrivelmente confusa e assustada, ainda olhei para trás para ver se se tinha enganado na pessoa, olhei para os meus amigos para ver se era conhecido e só depois é que percebi. Falam-te logo dos seus sonhos e ambições de vida, elogiam-te sem motivo aparente (ouvi muitas vezes que sou adorable e que devo ser extremamente smart por estar em columbia) e depois oferecem-se para te pagar uma bebida ou para te levar ao seu sítio preferido da cidade. É difícil terminar a conversa educadamente, mas um não quero uma bebida, obrigada costuma ajudar. Ouvi coisas tão disparatadas como "I'm sorry if I seem overconfident, but it is my latino side". Não consegues evitar rir. Ainda para cima quando és tu mais latina que ele e falas melhor espanhol. Reparei que aqui todos se orgulham terrivelmente das suas origens, por mais longínquas e afastadas que sejam.
No sábado aconteceu-me uma das minhas, como não podia deixar de ser. Fui às compras a um supermercado e tive que apanhar o metro, já que as coisas aqui perto são todas caríssimas. O metro aos fins de semana altera-se e tive que sair umas paragens acima. A questão é que a voltar do supermercado, toda carregada, me devo ter enganado na rua. Começo a reparar que sou a única branca ali no meio. Vejo nomes de lojas como "hair braiding saloon" e "african market". Começo a ficar desconfiada. Até que começa a aparecer o nome "harlem" nas lojas e tenho a minha confirmação. Foi uma caminhada engraçada. Nada perigosa, mas não a repetiria de noite.
Domingo fui tomar brunch. É um costume ao qual te habituas facilmente. Comi umas french toasts de maçã, canela e chocolate branco e bebi uma limonada de menta (que se apelidava pelo nome fancy de yellow granita). Fui dar um bonito passeio por todos os edifícios emblemáticos da cidade, mas decidi deixar o turismo hard core para outra altura. Afinal de contas, ainda vou ficar aqui dois anos.
Passou exactamente uma semana, mas parece que foi mais.
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