Fala-me também do fado
Dizer que passadas três semanas já tinha saudades é um bocado exagerado, já para não dizer uma afronta contra quem está aqui já há mais tempo. Nem sequer se pode falar bem em saudade. Primeiro porque desde que vim para aqui ainda não houve um único dia em que não ouvisse nem falasse português. Depois porque não se pode dizer que comer salada de polvo ou ouvir fado fosse algo que eu fizesse habitualmente em Portugal.
Quando andei a passear pela California já há uns anos os americanos com quem falava ou não conheciam Portugal ou achavam que pertencia a Espanha. Por isso vim com a ideia errada de que ia ser uma espécie rara por cá. Depressa descobri que há uma grande comunidade portuguesa em Newark (sim, a tão adorava New Jersey que os nova iorquinos tanto admiram). Mas o mundo ainda me quis provar mais errada e, só no piso onde trabalho, existem mais dois portugueses. A única coisa que não desilude é que os meus colegas de trabalho, quer por confusões com o sotaque alemão do nosso chefe, quer por confusões geográficas, durante algum tempo antes de eu chegar referiam-se a mim como a rapariga do Peru. Ainda não consegui perceber quando e como se desmistificou a minha origem.
Bem, ontem juntei-me a um grupo de portugueses que moram na ilha (sim, podemos simplesmente referir-nos a Manhattan como "a ilha", e também é uma ótima maneira de quebrar o gelo "então, estás a morar na ilha?") e fomos ver uma fadista portuguesa a um restaurante português. O restaurante chamava-se "Pão" e era tão apertado como qualquer boa tasca portuguesa deve ser. O menu estava em português também, os empregados eram portugueses, o vinho era português, mas os preços e a tip eram bem americanos. Talvez porque também o era o gerente, que além de não entender a língua, ainda tentou muito discretamente pôr uns auriculares enquanto a fadista cantava. Os restantes clientes americanos aplaudiram efusivamente e se não gostaram tanto como nós portugueses, não ficaram para trás na demonstração pública de agrado.
É curioso como a minha inaptidão social é completamente independente da língua. A minha simpatia com desconhecidos mantém o seu estado basal tanto em português como inglês. Mas nesta noite em específico, quando uma das portuguesas me dizia que tinha uma amiga de Viana e costumavam sair pelo Industria, eu disse, completamente sem pensar que "o Indústria já é antigo". Podia passar completamente despercebido. Mas a pausa do discurso e a cara de dor foram apanhados por todos na mesa, que desataram a rir e a gozar, até mesmo a soltar algumas piadas. Sei que o meu comentário ficou marcado, porque não tinha terminado o jantar ainda e já se ouviu um "eu já fui chamada de velha hoje". Simplesmente desastroso.
Entre o jogo de futebol e a ida ao restaurante português, pode-se dizer que ando mesmo a imiscuir-me na cultura americana.
Está boa :)
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